"A CPLP não tem um patrão e isso faz a diferença em relação à Commonwealth"

O diplomata português é desde Janeiro de 2019 secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Francisco Ribeiro Telles fala do interesse de cada vez mais países em serem observadores associados e do futuro, com destaque para os planos de mobilidade.

O secretário executivo da CPLP, Francisco Ribeiro Telles.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa [CPLP] tem quase 300 milhões de habitantes. Portugal e o Brasil falam português sem qualquer dúvida e há países, como Angola, em que o português é também cada vez mais a língua nacional, mas há outros, como a Guiné-Bissau, onde o crioulo é claramente dominante. Quando pensa na força da língua portuguesa nestes países membros, ela é uma força crescente?
Eu falo até pela minha experiência de cinco anos como embaixador em Luanda, onde assisti, de facto, a uma transformação impressionante em relação ao português em Angola.

Actualmente, fala-se mais português em Angola do que se falava no tempo colonial. É impensável ver dois angolanos em Luanda que não estejam a falar em português. Segundo dados recentes das autoridades angolanas, cerca de 60% a 75% da população já domina o português básico. Isso também é uma consequência da guerra - com a deslocação das populações para as grandes cidades era preciso encontrar uma língua que fosse percebida por todos. Na altura, o português funcionou como uma língua franca, um factor de unidade e coesão social, e isso é muito importante. Em Moçambique, dizem-me também que o português está a crescer. Estou a falar, digamos, dos dois "porta-aviões" da língua portuguesa em África. As projecções das Nações Unidas apontam para que no final do século haja 500 milhões de falantes de português, dos quais 150 milhões estarão em Angola e 140 milhões em Moçambique. De maneira que, se calhar, o português vai ser cada vez mais uma língua africana.

Em termos da expansão da língua é optimista?
Dá-me razão para ser optimista o facto de o português ser língua de trabalho já em três organizações internacionais; também o facto de, possivelmente, Timor-Leste poder vir a aderir à ASEAN [Associação de Nações do Sudeste Asiático] no próximo ano e também o português funcionar como língua de trabalho nessa organização. A CPLP é uma organização que está nos quatro continentes, que tem países que pertencem a organizações regionais diversas - o Brasil está no Mercosul; Portugal na União Europeia; Angola e Moçambique na SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral]; Guiné e Cabo Verde na CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental]. Isso faz que o português seja falado nessas organizações internacionais. Assim, sou optimista em relação à importância do português e à sua projecção no mundo.

Vários países, incluindo os Estados Unidos, o Canadá e a Turquia, mostram interesse em aderir à CPLP como países observadores associados. O que é que os atrai?
Tem havido um crescimento exponencial - eu próprio fico às vezes surpreendido - do interesse que a CPLP está a suscitar. Em 2014 havia três países observadores associados, na próxima cimeira de Luanda [prevista para Julho] poderão ser 30. Isto tem que ver com o que esses países percepcionam da importância da CPLP à escala global. E não são apenas países - estive com a secretária-geral ibero-americana, Rebeca Grynspan, cuja organização já pediu a adesão como observadora à CPLP e a CPLP vai fazer o mesmo em relação à SEGIB [Secretaria-Geral Ibero-Americana] de forma a podermos trocar experiência e, eventualmente, elaborarmos projectos comuns. Na cimeira de Luanda, no pipeline estão dez países, incluindo Espanha, Irlanda, Canadá, Índia, EUA, Qatar, Peru..., e há dez Estados membros da UE, entrando os que estão previstos, que serão membros associados, além do Reino Unido que já o é. São países muito diferenciados.

E o que os leva a aproximarem-se da CPLP?

Os interesses não são coincidentes. Há três ou quatro razões. Por um lado, países que têm um número de falantes de português importante no seu território, que é o caso, por exemplo, de França, do Luxemburgo, dos próprios EUA que, na carta que me escreveram a pedir a adesão à CPLP, falam da comunidade de falantes no país, portugueses, brasileiros e cabo-verdianos. Tem que ver com o que falávamos há pouco: a expansão do português que poderá vir a ter um futuro à escala global. A expansão e difusão da língua portuguesa é a matriz identitária da CPLP, ela existe porque temos uma língua comum. Depois, há o que eu chamo de concertação político-diplomática. Se há domínio onde a CPLP tem funcionado bem é aí. A CPLP funciona em bloco para candidaturas de altos dirigentes dos países. Eu recordo a importância decisiva que teve na eleição do antigo director-geral da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura], o brasileiro José Graziano; a importância que teve na eleição do director-geral da Organização Mundial do Comércio, o embaixador Roberto Azevedo, também brasileiro; na própria eleição do engenheiro António Guterres. Nessa altura Angola pertencia ao Conselho de Segurança, era um membro não permanente, e sabe-se que a posição sobretudo dos cinco membros permanentes é decisiva para a eleição do secretário-geral. Angola deu informações preciosas a Portugal sobre como estava a correlação de forças, pois assistia a reuniões à porta fechada. Recordo uma reunião que tive com o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Pinto Chikoti, em que ele dizia: "O engenheiro Guterres é apreciado por toda a gente pelas suas qualidades fantásticas, mas há países que têm alguma relutância..." Para dar um exemplo, a Rússia gostava dele, mas era difícil para eles aceitar que o secretário-geral das Nações Unidas viesse de um país da NATO. Isto permitiu depois que se trabalhasse a campanha nesse sentido.

Falou em quatro e já disse duas...

A terceira questão tem que ver com países que não têm uma rede diplomática bastante forte em África - falo, sobretudo, de países do leste europeu - e que veêm a CPLP como uma plataforma para chegar a esses países. Ao aproximarem-se da CPLP estão a aproximar-se de países importantes em África e é uma forma de poderem manter um diálogo com esses países. Depois, há também a questão de a CPLP poder vir a enveredar por um novo pilar. Os três pilares constitutivos são a promoção e a difusão da língua portuguesa, a concertação político-diplomática e a cooperação. A nossa ideia é que com a cimeira de Luanda se possa constituir um quarto pilar que não está nos estatutos, o económico. A nossa ideia é que no futuro cada cimeira da CPLP possa vir a ser precedida de um fórum económico com a presença das empresas dos Estados membros. Angola, que terá a próxima presidência da CPLP, terá como prioridade as questões económicas. De forma que esses países também veêm a CPLP como uma oportunidade de negócios, de parcerias, nomeadamente em África. É evidente que isto coloca-nos um problema - estamos neste momento num processo de reflexão interna sobre o número crescente de observadores, a importância que eles assumem cada vez mais e como é que podem ser úteis à CPLP.

Fala em capitalizar essa associação?

Não nos interessa ter 30 países observadores e duas ou três organizações internacionais de prestígio se não os pudermos utilizar em função dos interesses da CPLP e esta poder também ser-lhes útil.

Entrevista concedida ao DN em 1 Novembro 2020